segunda-feira, 13 de junho de 2016

Como se forma (equivocadamente) um homem

O Incrível Hulk!
Embora não seja a única, uma das piores coisas na sociedade contemporânea, a meu ver, é a síndrome do macho, como já mencionei aqui. Ela é capaz de destruir convívios sociais, condenar o que é diferente (porque é narciso), agredir violentamente – simbólica ou fisicamente – além de estar em desarmonia com as propostas evoluídas de igualdade de gêneros. Porém, esse perfil de masculinidade parece estar cada vez mais em voga nos dias atuais… Por que será?


A resposta exata, não sabemos, nem temos como verificar, visto que é muito ampla. Mas podemos ao menos tentar entender como se forma.

Sapatinhos de menino
O início é a própria casa, a família, isto é, o primeiro meio com a qual uma criança tem contato. Antes mesmo de nascermos, já nos impõem a cor azul. Se, porventura, um menino prefere a cor rosa, fará mobilizar seus pais , que tentarão convencê-lo de que rosa é cor de menina… Outro aspecto na primeira infância é o jeito do menino, se ele começa a se comportar de modo menos másculo, a mãe surta – porque projetou no filho “homem” toda a frustração que teve com os homens ao longo de sua vida e tenta fazer dele o homem que idealizou – o pai surta – porque não quer ver o filho associado a uma figura feminina (seja gay efeminado, seja mulher, seja transgênero), figura que repudia por conferir à feminilidade um status inferior, ferindo suas relações de poder. Ambos, pai e mãe, se empenham para que o menino tenha “modos de menino”, comprando-lhe brinquedos masculinos – como carros, bolas, robôs –; vestindo-o de forma apropriada (segundo o julgamento dos pais) – com calças e shorts –; estimulando a macheza – cobrando namoradas (mesmo no jardim de infância), congratulando euforicamente cada vez que surge uma menina como possível paquera, desestimulando atitudes contrárias ao desejado, dizendo que “isso não é coisa de menino”…

Meninos jogando bola
Depois vem o segundo momento, o meio com o qual o menino vai interagir: a escola. A escola reforça os padrões trazidos de casa. No Brasil, recentemente, tivemos episódios de ódio contra a tentativa de fazer com que a escola fosse livre de homofobia. Enfim, caberia à escola educar para uma diversidade, mas, ao contrário, acabam por reforçar os papéis da mulher e do homem. A distinção fica nítida na hora do recreio, em que meninos e meninas automaticamente se separam, e se um menino prefere não brincar de bola, ou de luta, está fadado ao bullying.

Na adolescência, a busca pela aceitação pela turma faz com que se tenha reações exageradas na hora de torcer pelo futebol. Vibramos com os punhos em riste, num gesto de virilidade, no momento do gol! É praticamente uma cerimônia de iniciação, um rito de passagem: há de se torcer ferozmente, se não, não se é homem o suficiente! Há de se “pegar” muita mulher! Há de se ser galinha! Daí, mais adiante na vida, o caminho só vai se agravando.

UFC
Mas nem tudo é culpa só dos homens. Somos, o tempo inteiro, bombardeados com pletoras de macheza. Seja no comercial de cerveja, seja na campanha do desodorante, seja nos personagens de novela. A clássica luta de boxe, quase desaparecida, volta à tona com força total em novas lutas, no formato UFC/MMA e outras lutas (jiu-jitsu, muay thai, etc.). A exacerbação da masculinidade é representada por todos os lados, de todas as formas, enquanto há uma ausência de (ou ocorre raramente) qualquer outro tipo de representação para o homem, como a do homem delicado e gentil, não adúltero. É como se o homem só pudesse existir na macheza! O homem que escapa disso, ou vive tendo que comprovar que é homem de verdade, ou assume para si que não te
m que dar satisfação.

Busto de Hércules
Essa imposição à macheza não é de hoje. Ocorre desde sempre, basta pensarmos nas epopeias e tragédias greco-romanas, cujos personagens (Ulisses, em Homero; Édipo-rei, de Sófocles; os poderes de Hércules, a força de Sanção, etc.) sempre trouxeram uma carga de macheza e virilidade como característica de suas personalidades, como convém à estrutura narrativa de um herói.

As histórias do homem das cavernas, a quem a valentia era necessária para que pudesse sair para caçar e trazer o alimento, é o mito mais falacioso que conheço. Se fosse assim, quem protegeria as mulheres e as crianças do tigre dente de sabre que viria à caverna atrás de saciar sua fome??!!

Hoje, por meio das novas representações na grande mídia, ou com a organização (governamental ou não) social para fins de orientação, ou com a conscientização e mudança de mentalidade desde a formação dos pais que educam em casa até a sociedade como um todo que acolhe esse homem, poderíamos registrar uma outra história que não fosse virulenta, que fosse mais gentil.

Mas eu não acredito que isso venha a acontecer algum dia... O que, infelizmente, nos mantém nessa arapuca que criaram para nós, da qual não conseguimos nos desvencilhar.

4 comentários:

  1. Um homem que possui gostos e prazeres inclinados ao "mundo dos machos", como lutas, futebol, mulheres, azul... Não necessariamente é machista, homofóbico, estuprador...
    Venho batendo nesta tecla desde que comecei a ler as opiniões posteriores ao estupro coletivo que ocorreu recentemente.
    Me senti ofendido em diversas oportunidades mas preferi ficar calado pra não gastar minha saúde.

    Entendo como equivocada, essa abordagem ao machismo ou ao homem.
    Essa associação de machismo com o estupro ou homofobia... me parece uma generalização radical demais e, principalmente, ofensiva demais num momento em que buscamos igualdade dos gêneros e respeito acima de tudo. É uma abordagem antagônica ao objetivo buscado. É confuso!

    A abordagem dos temas, principalmente do Estupro, me parece muito próxima ao incentivo ao uso de preservativos. Longe da realidade, ao me ver.
    Não é falando "o estupro é errado", que conseguiremos algo efetivo.

    A tentativa de vincular o estupro ao machismo, me incomoda.
    Da mesma maneira que acredito que um homosexual não sofre influências pra se tornar homosexual, acredito que o estuprador não sofre influências pra se tornar estuprador.
    O estupro tem que ser vinculado à pessoas ruins, que sentem prazer com um ato tão absurdo.
    O estupro, pra mim, definitivamente não tem ligação com um "macho alfa" ou com o "pegador de mulheres" ou com o "admirador de UFC".

    Eu sou heterosexual, gosto do azul, apaixonado por futebol, apaixonado por artes marciais, já fui "pegador" quando adolescente, tenho um pai machista... e, ao mesmo tempo, uma das pessoas que mais admiro e que influenciou muito em minha vida, é gay (um tal de "O Homem na Garrafa"), acho que é o homem que tem que pagar o jantar romantico, acho que é o homem que tem que pagar o motel, tenho repúdio à estupradores...

    O estuprador irá estuprar, sendo ele educado ou não, ela estando de roupa curta ou longa, sendo ele machista ou não, havendo punição ou não.
    O estuprador irá estuprar, porque ele é ruim.

    Enquanto a abordagem à este tema, for relacionada à forma de acabar com o estupro, nada será efetivo, pois isso, infelizmente, não acontecerá.

    Quando a abordagem for relacionada à maiores punições, à maiores denúncias por parte da vítima... ai sim teremos algo efetivo.

    Em tempo, sem que sua publicação não é relacionada ao estupro diretamente, mas a leitura me levou à este tema.

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    Respostas
    1. Victor, gosto muito de seus comentários, porque permitem que a gente abra um debate. Posso comentar suas questões num post, para que mais pessoas possam ler? Ou você prefere uma resposta por aqui mesmo, nos comentários?

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