Foto de um casal dormindo sobre o lixo no inverno de 2010
A foto, tirada no inverno de 2010, é de um casal de mendigos dormindo entre sacos de lixo, porque ali o frio estaria mais suportável. É uma imagem de dar dó. Vários pensamentos passam por minha mente, quando me deparo com imagens como essa.
O primeiro pensamento que me vem à mente é a condição social das pessoas que não tem onde morar, ou, se tem, escolheram morar na rua. A sociedade vai, dessa forma, se dividindo entre classes desniveladas cada vez mais incongruentes e, quanto mais o tempo vai passando, mais esse desnível entre as classes vai aumentando, provocando um abismo que chegará um dia a ser insuperável. Uma pessoa que vive na rua não tem perspectiva alguma, pois sem o conforto de um lar, sem ter a orientação de pessoas minimamente educadas (educadas, aqui, no sentido de ter tido uma formação familiar e escolar), sem a consciência de que uma mudança é possível, sem ter qualquer incentivo sobre sua capacidade (intelectual, de força de trabalho, de criatividade), sobra para ela a agressividade e a violência (recebidas e praticadas), a sobrevivência pela caridade alheia, pela esmola.
Eu costumava passar por um lugar onde havia uma mendiga grávida (por estupro? Por ter um marido? Onde ele estava?) e, algum tempo depois, passei a ver uma menina recém nascida (deu à luz na rua? Não sei). Pensei, e continuo pensando até hoje, quais serão as referências que essa pequenina terá, recém chegada, sendo inserida sem opções numa sociedade como a nossa, sem um lar e sem o contato com outros valores, outras possibilidades. Certamente, uma sociedade paralela àquela que se idealiza como uma boa sociedade.
Um segundo pensamento recorrente é a diferença. O convívio entre pessoas de origens diferentes é uma relação tensa. A tensão se dá desde a relação de uma família para outra, até extremos mais evidentes como os das classes sociais, porque pessoas de classes diferentes e regiões diferentes se comportam de maneira diferente e têm hábitos diferentes, desde o vestuário à forma de alimentação, aos hábitos culturais e às práticas com relação ao convívio social. Essas diferenças estão aí e são perceptíveis a olhos vistos (e sensível à flor da pele), embora muitos não têm consciência delas.
Podemos, daí, imaginar uma criança que nasça na rua, cuja diferença será ainda marcada pela completa falta de acessos como cidadã e pelo preconceito. Tudo o que lhe restará será o aprendido na rua, e o que para ela será natural e espontâneo parecerá, para o resto da sociedade, pura agressividade e violência.
O terceiro pensamento que me assombra é o fato de que me irrito profundamente com essa situação de desnível e com o fato de a rua estar cada vez mais cheia de cocô para todos os lados.
Mesmo que alguém opte, voluntariamente, por morar na rua, o que se passa em sua cabeça? Optar por viver numa situação de tamanha miséria é não ter perspectiva alguma na vida, ou não ter um equilíbrio mental e/ou emocional. Viver numa sociedade contemporânea não é fácil, com tantas atribuições e exigências, mas venho cumprindo minha parte e venho mantendo minha idoneidade. Embora haja momentos de sofrimento e angústia, tenho também meus momentos de muita alegria e realizações, o que equilibra o meu ‘estar na sociedade’. Sei que o fato de não discriminar os moradores de rua já é um fato bom. Mas não colaboro para que essa situação se perpetue, dando esmolas ou comida. Ajudo no que me pedirem, desde que a ajuda envolva uma possibilidade de conscientização, uma preparação que os oriente a mudar de vida, a explorar seus potenciais criativos. Digo ajuda de fato, não paliativos como fazer um discurso moralista na hora de comprar um pão, como vejo muitas vezes, ou bater um papo quando levar uma sopa... Sou professor, meu instrumento de ajuda é a transmissão dos conhecimentos que adquiri ao longo de muitos, muitos anos de estudo, investimento e experiência.
Mas, ao que me parece, esse tipo de ajuda têm sido dispensável tanto pelas autoridades, quanto pelos possíveis beneficiados com ela.