segunda-feira, 25 de julho de 2016

Linguagem e violência simbólica, contribuições ao debate

"[A] linguagem nos faz seres instáveis,
daí que é impossível não sermos
afetados pela palavra do outro. Essas
palavras perturbam a condição
narcísica que é condição estrutural do Eu.
(...)  [T]udo que não pode ser
questionado ou que não é assimilado
por um processo interno de reflexão
exige do sujeito uma crença delirante."
- trechos do texto postado no FB
por Marcelo Veras


O post de hoje vem das contribuições de um amigo (talvez único) leitor deste blogue... Ele me marcou no post “Como ensinar (o) mal - ou, tomando partido” no Facebook (FB) de Marcelo Veras e no vídeo “o texto baba” de Suely Rolnik. Ambos abordam o fato de que somos atingidos pela linguagem, numa perspectiva psicanalítica. Faço aqui considerações breves, porque não é minha área de estudo, motivo pelo qual já peço desculpas.

A psicanálise, cuja criação é atribuída a Freud, é baseada na linguagem. Em linhas gerais (e rasas), consiste em falar (embora ao falarmos também nos ouvimos), da parte do paciente, e ouvir e analisar (análise não deve ser confundida com interpretação), da parte do psicanalista. Lacan disse que a mente está estruturada como uma linguagem. O vídeo e o post demonstram, por razões diferentes – o vídeo, para explicar um conceito objeto de um seminário (o texto baba/novos povoamentos); o post, para criticar as leis que tentam impor a “escola sem partido” (minúsculas minhas) –, a influência da linguagem sobre nós, da importância da fala (e, acrescento, de outras formas de linguagem) do outro tem sobre nós.

Clique para assistir ao vídeo "Suely Rolnik e o texto baba"

Na minha área de estudos – a Análise do Discurso (de linhagem francesa) – muitas vezes lançamos mão de conceitos da psicanálise para fundamentarmos alguns aspectos da análise discursiva. Apesar de serem um tanto técnicos,  eu recomendo a leitura das duas indicações de meu amigo sapoprincipe, porque são [texto e vídeo] claros: o post do FB ressalta a importância da linguagem nas manobras do governo para evitar a formação de seres pensantes; o vídeo sobre o “texto baba” nos revela que o corpo tem uma linguagem própria, que ao subjugarmos esse fato, perdemos a noção de sua existência e dimensão.

Em algum post futuro, volto ao assunto, numa abordagem discursiva. Até lá.

segunda-feira, 18 de julho de 2016

Da violência simbólica: a linguagem




https://www.youtube.com/watch?v=H3ikWYyUHrI
 Entre eu e você existe
A notícia que nos separa
Eu quero que você me veja nu
Eu me dispo da noticia
E a minha nudez parada
Te denuncia e te espelha
Eu me delato
Tu me relatas
Eu nos acuso e confesso por nós
Assim me livro das palavras
Com as quais
Você me veste.

- trecho do texto de Fauzi Arap


Somos seres de linguagem. Nomeamos coisas para poder dizê-las, recebemos nomes para que possam se referir a nós. O que não pode ser dito, não existe, precisamos dizer as coisas para compreendê-las. Judith Butler (1997)* diz que um xingamento nos ofende porque somos seres de linguagem. E, se nos ofende, isso significa que a linguagem nos afeta, que o dizer é um ato que chega até nós no que temos de mais íntimo. Mesmo que não se tenha a intenção, um comentário pode, involuntariamente, ofender. Butler tenta traçar uma análise aprofundada sobre os limites entre a liberdade de expressão e o crime de injúria. O propósito dela é jurídico, vale a pena a leitura do livro Excitable speech**. Aqui, porém, vou apenas ilustrar como a linguagem sempre nos afeta. E não é difícil entender.

Para dar um exemplo: num grupo de homens em que um dos membros é homossexual, mas os demais membros do grupo não sabem, certamente o assunto sobre mulheres surge em algum momento. Não que o homossexual vá se sentir excluído da conversa, mas certamente sentirá um deslocamento, como se tivesse do lado de fora da conversa, mesmo que se esforce para se manter no assunto. Ou, em nossa sociedade de ditames de beleza e de saúde, o simples fato de uma pessoa estar fora da curva faz com que tente se adaptar (eu, por exemplo, faço uma caminhada de 7 km por dia, porque um médico me disse que preciso perder 7 kg...). Uma mulher que tenta engravidar e não consegue, sente fundo quando ouve outras mulheres falando da facilidade com que engravidaram...

Uma pessoa que é diminuída verbalmente por alguém pode reagir, ou não. Muitas vezes, sequer percebemos que alguém nos está pondo pra baixo, repetindo que não somos capazes, ao longo de anos... e acabamos acreditando, assimilando, e a sensação de incapacidade acaba sendo inculcada em nós, inconscientemente. Conheço muita gente que se julga incapaz de passar no vestibular, porque os discursos criam uma aura de dificuldade em torno das provas. Conheço muita gente bonita que acredita que é feia, porque sua beleza não é a mesma que a da Gisele Bünchen. Uma fofoca pode construir o caráter de alguém, da mesma forma que pode acabar com ele.

Não temos como fugir, dominamos a linguagem na mesma medida em que a linguagem nos domina. Dessa forma, a linguagem é uma arma poderosa na violência simbólica. Precisamos tomar cuidado com ela.



* Judith Butler é filósofa americana e discute questões de gênero.

** BUTLER, Judith. Excitable speech: a politics of the performative. New York, NY: Routledge, 1997.

segunda-feira, 11 de julho de 2016

Ideias (não)originais

A obra é de 1995, mas não tive contato com ela até hoje. Os desenhos feitos por Leandro Ferra sob encomenda para este blog são de 2005... À época, achei que tive uma ideia original.

Artista: Charles Ray
Título: Puzzle Bottle
Ano: 1995.
Acervo do Whitney Museum of American Art, New York

 
Artista: Leandro Ferra
Títulos: Homem na garrafa1 e Homem na garrafa 2
Ano: 2005 Acervo do Elir Ferrari, Vila Isabel, Rio de Janeiro

quarta-feira, 6 de julho de 2016

Poesia numa hora dessas: Minha pele sua

Minha pele sua
de Elir Ferrari

Habito uma pele que é diferente da de outrora
da infantil ingênua, pele lisa e elástica
da púbere agitada, tangível e atenta
da adolescente rebelde, sensível e aguda

Habito uma pele endurecida e desgastada
pela vida, pelo tempo, pelo tento
pelas forças que me determinam
pelos muitos anos que já não tenho

A pele que habito não é minha
nunca foi, pois que eu supunha
ser aquela que outros me impõem

A pele que habito é a pele tecida
que imita, que simula, que insiste
que eu a habite.