Uma conhecida outro dia me disse que ouvia sempre em
novelas, reportagens, conversas entre amigos, que diziam muito “encarar de frente”,
que era um pleonasmo e, como tal, deveria ser evitado, porque para “encarar” só
podia ser “de frente”. Bom, ela não era professora de português, sequer especialista
em língua. Certamente ouviu alguém dizer isso, pensou “é mesmo!” e saiu
repetindo, ensinando aos outros. Ao menos fez questão de me ensinar, sem saber
da minha formação...
Mal sabe ela que pleonasmo
não é um erro, mas uma figura de linguagem e, como toda figura de linguagem,
serve para dar estilo e sofisticação ao texto, seja ela verbal ou não verbal.
Assim como a maioria que não prestou atenção à tia Teteca na escola, não sabe
que o pleonasmo é uma ideia repetida, com fins de dar uma ênfase ao que se diz.
A repetição óbvia e desnecessária, quando acontece por falta de conhecimento do
recurso estilístico, é que deve ser evitada, como “subir para cima”, ou “entrar
para dentro”. Por isso, recebe até um nome diferente, é o pleonasmo vicioso, para que fique claro que é um vício de linguagem
e não o pleonasmo com fins estilísticos.
Mas, às vezes, o que parece um vício de linguagem – como o
pleonasmo vicioso – pode não ser exatamente um problema. Vejamos: estamos num quarto da casa e um de nós sai. Se eu
disser você saiu do quarto e você saiu lá pra fora, o “lá pra fora”
não indica um pleonasmo vicioso, pois estabelece uma situação que é sair para além do quarto, mas para o lado de fora da casa.
Há
o fato, ainda, de que as palavras acabam
mudando o sentido com o passar do tempo e, no caso, encarar (olhar no rosto,
olhar nos olhos, segundo o dicionário Caldas Aulete) hoje significa enfrentar, fazer uma disputa... Daí, fazer uma disputa de frente, disputar frente a
frente e encarar de frente não seria propriamente um vício de linguagem, mas
variações na seleção de vocabulário dentro de um campo semântico, que funciona
como uma ênfase. E, convenhamos, dizer que o judoca brasileiro encarou o adversário é agradável, mas dizer que o
judoca brasileiro encarou de frente o
adversário é muito mais enfático, demonstra que o judoca é destemido.
Claro, alguns especialistas em língua portuguesa – os
puristas – não encaram de frente... eles abominam o fato.
Não gosto da eterna vigilância sobre a expressão alheia.
Prefiro ouvir – e até apreciar – as variações individuais, que foi o que cada
um conseguiu trazer consigo na sua linha evolutiva de aprendizagem no tempo e
na vida.